O In Guimarães esteve à conversa com João de Guimarães, mentor do projeto musical John and the Charmers. Já ouviu falar? O grupo gozou da sua estreia em palco no passado sábado, dia 28 de Março e teve direito a casa cheia. O pequeno auditório do Centro Cultural Vila Flor teve lotação esgotada e quem teve acesso ao bilhete vibrou com a oportunidade de assistir a este espetáculo.
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Fotografia de José Caldeira
Esta entrevista está dividida em duas partes. A segunda parte será publicada amanhã, à mesma hora.
1ª PARTE DA ENTREVISTA
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In Guimarães:
Qual é a formação académica do João?
João de Guimarães: Bem, eu fiz
conservatório desde muito cedo. Fui aluno de piano, formação musical e classe
conjunto e depois fui passando um bocadinho por cada instrumento ao longo dos
anos. É a minha forma de ver a música, não é tocar um instrumento só. Não é ser
o super pianista ou super guitarrista, mas é conhecer um bocadinho de cada
coisa porque isso ajuda-me a compor e a construir música, sonoplastia e tudo o
que tem a ver com som. Por isso, fui passando assim por vários instrumentos ao
longo dos anos. Depois fiz a Licenciatura em Produção Musical e o Mestrado em
Música Interativa e Design de Som, que ainda não está terminado, falta a Tese.
Depois vou fazendo formação no que posso, coisas às vezes de duas ou três
tardes, outras vezes versões mais alargadas, sempre que é possível.
In Guimarães:
Onde é que tirou a licenciatura e o mestrado?
João de Guimarães: A Licenciatura
foi em Castelo Branco na Escola Superior de Artes Aplicadas e o Mestrado é no
FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) que tem um Mestrado Multimédia
e que desde 2009 ou 2010 tem esta vertente de Música Interativa e Design de
Som.
In Guimarães:
Qual é a sua ocupação profissional?
João de Guimarães:
Eu
dou aulas, tenho aulas, faço produção em estúdio, faço som ao vivo, faço música
sonoplastia para teatro e dança. É um bocadinho de cada coisa, (ri) eu sou
assim, um bocadinho de coisas. Dou aulas em infantários, dou aulas dos 3 aos
300 … se existisse pessoas de 300 anos acho que já tinha alunos também…
In Guimarães:
Como é que as crianças lidam com a música?
João de Guimarães:
É
muito engraçado porque elas surpreendem-me sempre. A cada semana há sempre
alguma coisa nova, ou de cada um, às vezes são características da própria
criança que é uma pessoa e que tem comportamentos que a gente vai descobrindo
que são muito interessantes. Decoram muito facilmente as músicas, ouvem uma vez
e na segunda já estão a cantar, de umas semanas para as outras lembram-se das
letras e de pequenos gestos que vamos fazendo para ajudar a cantar… É muito engraçado
e depois a noção rítmica deles é muito engraçado explorar isso. É muito
divertido.
In Guimarães:
Com que idade começou o João no mundo da música? Qual é que foi o seu percurso?
João de Guimarães:
Eu
comecei a aprender piano aos 4 anos no conservatório. E a partir daí fui
fazendo aquele tal saltinho entre guitarra, percussão e canto e voltei depois
mais tarde ao piano e agora estou a ter aulas de canto e de piano na Escola de
Jazz do Convívio. Por isso, fui saltando assim desde os 4 anos até agora, vou
saltando sempre que posso entre várias coisas.
In Guimarães: No
total, quantos instrumentos o João toca?
João de Guimarães:
Toco
uma meia dúzia deles, aqueles normais: bateria, baixo, guitarra, piano, voz.
Aqueles mais exóticos, vou experimentando. Por exemplo saxofone, sempre que
posso vou experimentando outras coisas.
In Guimarães: John
and the Charmers, como é que surgiu a ideia?
João de
Guimarães: Eu
vou sempre compondo, seja para mim, para peças de teatro, para dança, para
instalações artísticas, para cinema, porque é um exercício como outro qualquer,
ou para as bandas com quem trabalho. Por isso há muitas pastas no computador
que vão ficando lá, muitas músicas soltas que não quer dizer que vai sair dali
um projeto, mas não deixa de ser um exercício e mais tarde podem-me inspirar
para outras coisas. Neste caso surgiu uma música, depois surgiu outra … Quando
surgiu a primeira música, no dia 1 de Outubro
de 2012, dia Mundial da Música e um ano muito especial para nós, Capital
Europeia da Cultura, um ano cheio de energia, de loucura, quase sem dormir… Nessa
noite compus essa música e achei piada e que havia ali algo de diferente que
não se encaixava em nada do que eu estava a fazer no momento. 2 Anos e meio
passados não imaginava que ia estar aqui, com este projeto, mas achei que havia
ali qualquer coisa que me despertou curiosidade e registei a música. Escrevi a
letra nessa mesma noite, ficou praticamente feita e no dia a seguir em casa
acordei e fui para o piano e acabei por estruturar aquilo direitinho e gravei
para não me esquecer. Mas não dei demasiada importância aquilo, continuei a
minha vida normal com as outras mil coisas que estava a fazer naquele ano e
depois passando umas semanas foi surgindo uma ideia e depois outra e achei que
aquilo se agrupava. Não tinha um nome para aquilo ainda, nem sabia que ia dar
uma coisa deste tamanho, mas fui juntando estas músicas. Quando estava a fazer
a quarta música decidi falar com músicos e com um produtor e dizer que se
calhar até gravávamos um LP e eles disseram “vamos lá gravar isso, fazemos um
LP de 4 músicas”. Mas como cada um de nós fazia mil coisas, fomos marcando
relaxadamente. Começamos a gravar já passados muitos meses, 11 meses depois de
eu ter composto a 1 música, não havia pressas. Quando fomos para o estúdio já
tínhamos 10 músicas, de repente um LP transformou-se num álbum. Depois, ainda
quando estávamos a gravar fui compondo mais uma música, que não faz parte do CD
mas já ficou e depois tal como as músicas foram surgindo foram surgindo os
músicos. Então o projeto nasceu assim muito lentamente, muito respirado e foram
surgindo as ideias com as músicas já. Fomos 18 músicos em estúdio, há pessoas
que participam numa música só, a bateria toca em 8 músicas. Com mais ou menos
presença em cada uma das músicas essas pessoas foram surgindo porque as músicas
pediam isso mesmo. E a banda de base do projeto, esses 5 músicos do núcleo foram
dizendo “ tem que se perder mais tempo com isto agora” … aquilo começou a
fervilhar e pronto, fizemos o disco e convidamos essa gente toda. Depois a
ilustração, Web Design, videoclip, gráfica e não conseguimos parar. Depois partimos
para o concerto e pronto, estamos aqui agora. Foi surgindo assim, naturalmente,
e não conseguimos parar. É uma coisa muito natural, não é forçada. Ou seja, as
músicas foram gravadas assim porque era isso que pediam, nem tem mais nem menos
do que aquilo que a gente achava. As coisas foram pensadas: esta música já está
bem assim, não é preciso mais nada. Não vamos encher. Foi um processo lento no
sentido de ouvir as coisas, estivemos 3 meses e meio em estúdio (não todos os
dias obviamente, mas do primeiro ao último dia), fomos respirando, ouvindo em
casa, não havia pressões de editoras, não havia prazos, era eu que estava a
decidir isso porque estava a investir no projeto, por isso, fomos fazendo as
coisas assim…
In Guimarães: Foi
um crescimento saudável?
João de
Guimarães:
É, exactamente, foi um crescimento saudável.
In Guimarães:
Quantos elementos fazem parte do projeto?
João de
Guimarães: Músicos
somos 6 de base. Tínhamos mais 2 convidados no sábado passado (28 de Março – espetáculo
de estreia), 2 pessoas a fazer performance, 5 técnicos e a versão base é essa.
Sendo que de toda essa equipa de pessoas fomos desenvolvendo ao longo dos meses
a parte dramatúrgica do projeto e mais precisamente do espetáculo. Como é que
íamos criar o espetáculo, passar da música para o placo. Temos três músicas
novas que já tocamos no sábado e mais duas feitas que não foram apresentadas
ainda. Por isso foi um processo que demorou muitas tardes e muitas noites,
muitas noites sem dormir às vezes. É uma coisa que demora tempo, preparar todo
um espetáculo, com cenografia, iluminação, desenho de som… o mais pequeno
pormenor demora muito tempo. Mas dá um gozo redobrado.
In Guimarães: São
10 as músicas que compõem o álbum Velvet Blue. Foi o João que escreveu todas as
músicas. Quanto tempo dedicou às letras?
João de
Guimarães: Deste
disco a primeira foi em 2012 e há uma que é Picture Of Mine que foi rebuscada
de 2007 salvo o erro, que depois foi refeita. Eu já estava com algumas músicas
feitas, já ia para aí na quinta ou sexta música e lembrei-me de uma pequena
passagem dessa música e peguei nela e acabamos por refazê-la e faz todo o
sentido estar ali naquele disco. Foi a única que foi rebuscada e transformada
para o John and the Charmers. De resto as outras nove foram feitas desde 1 de
Outubro até Agosto de 2013.
In Guimarães:
Desde que idade o João escreve músicas?
João de
Guimarães: No
sábado estive com um amigo que lá foi (ao espetáculo de estreia). Nós tivemos
uma banda no tempo de liceu, aliás, era 6 ano talvez, na altura aos 11, 12 anos.
Começamos a escrever numa vertente assim mais pop rock e quando o vi no sábado
lembrei-me disso. Há uns tempos, para aí há um ano atrás comentamos isso,
tentar rebuscar essas coisas que escrevemos, porque é uma fase engraçada, de
tentar descobrir como se faz uma canção. Tenho ideia de alguns refrões, algumas
coisas que fiz na altura, e por acaso lançamos o desafio entre nós os dois de
tentar gravar isso para a gente não esquecer e até encontrar letras escritas
desse tempo. Por isso, assim desse formato mais canção foi pelos 11/ 12 anos. Mas não é a minha grande facilidade,
escrever uma música logo e está feito. Eu não tenho essa facilidade e essa capacidade
de compositor de canções, não escrevo uma música em 5 minutos ou 10. O meu
forte não é esse, mas é uma coisa que se vai trabalhando não é? Mas depende
muito da inspiração.
In Guimarães:
Como é que foi escrever estas 10 letras para o álbum? Em que é que se baseou? Experiências
pessoais?
João de
Guimarães: Sim.
Há um facto curioso que é ao mesmo tempo que escrevi a letra No Time escrevi
The Sweetness Of Your Heart. No Time é mais mexida e The Sweetness Of Your
Heart é uma com vibração de voz e com uns apontamentos de violoncelo e saxofone
que é atmosférico e leve. Portanto, havia assim uma data de coisas na minha
vida que me levaram a escrever estas músicas e foi decidido naturalmente. Não
tem aquela coisa do gostava de escrever agora sobre isto ou gostava de compor
uma música mais assim. Não, às vezes era uma frase, uma melodia, um ritmo, e
então a partir dali ia escrevendo um bocadinho. Às vezes saia o refrão, outras
vezes uma melodia que não tinha letra ainda e eu gravava ou tocava no piano para
não me esquecer. Foi fazendo assim, no meio das outras coisas todas, no meio
das aulas… Eu tenho uma música que é o Midnight Blue, que é uma balada, que é a
música preferida do disco, eu estava a dar aulas em Felgueiras, numa turma de
Ensino Superior, com pessoas já com maturidade e algumas até mais velhas do que
eu, e esse ambiente super descontraído levou-me a enquanto eles estavam a
trabalhar… ia saindo uma melodia ou outra ou uma frase ou outra. Portanto, o
Midnight Blue saiu numa quarta feira à noite em Felgueiras enquanto estava a
dar aulas. Surgiam assim nos momentos mais estranhos e menos prováveis. Às
vezes, acordava e escrevia logo para não me esquecer, era assim bocadinhos aqui
e ali que depois eram trabalhados. Há umas que escrevi rapidamente e outras que
demoraram meses. Tenho uma que estou há um ano a escrever e ainda não acabei.
Mas também não estou preocupado nem quero forçar aquilo. Para já temos o refrão
e está tão bom que é o que eu digo, se calhar tocamos só aquilo e chega (ri).
Não há nenhuma forma sagrada, parte de momentos de inspiração. Mas sim, partiu
sempre de momentos, de pequenas coisas que me podem ter acontecido naquele dia,
não quer dizer que aconteceu textualmente o que tem na letra, mas partiu de
experiências que vivi nessa fase da minha vida.
In Guimarães: Porquê
em Inglês?
João de
Guimarães: Porque em
mandarim não ficava bem (ri). Não, eu numa parte mais poética
escrevo mais em português, 80/20 por cento das coisas que escrevo em poesia são
em português. Não sou poeta, não é a minha profissão, mas gosto de escrever. No
entanto, em canções, a nível de músicas, é ao contrário, será 80 por cento em
inglês e 20 por cento em português. Quando é prosa ou verso escrevo mais em
português e quando é para música escrevo mais em inglês. Não é porque acho que
vai vender mais ou menos. Nada neste projeto é pensado nesse sentido porque se
não fazíamos uma coisa foleiríssima e numa semana ou duas e não dois anos e
meio. E não gastava tanto tempo, dinheiro e energia e reunia uma equipa tão espetacular.
Se conseguirmos espalhar pelo mundo melhor, se não conseguirmos não vamos
obrigar ninguém a escutar. Por isso o inglês surgiu naturalmente. Nós na minha
casa temos o hábito, por brincadeira, de falar inglês e fui sempre ouvindo
muita música em inglês, por isso surgiu assim naturalmente.
Conheça mais desta aventura musical amanhã, com a segunda parte desta entrevista! Aqui fica um cheirinho do que pode ler: "O que
significa a música para mim é isso mesmo. A forma como eu vivo, como eu respiro…
é a minha vida, o que eu gosto de fazer, aquilo que eu faço melhor, seja bom ou
não é o que eu sei fazer melhor. Já faz parte de mim desde tão cedo que eu já
não imagino não ter o piano em casa para tocar, não ter não sei quantas
guitarras diferentes, afinações diferentes, brinquedinhos que fazem som e pegar
em facas e fazer percussões… sei lá, estou habituado lá em casa a estragar as
cadeiras desde pequenino porque eu tocava com facas. Por isso, fez sempre parte
de mim." João de Guimarães
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